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História e política

Aniversário de 58 anos do Golpe é marcado por ação que tenta emplacar narrativa de 'revolução'

O Golpe de 1964 sustentou um governo que durou até 1985, com cinco presidentes militares sucessivos: Castelo Branco (1964-67), Costa e Silva (1967-1969), Médici (1969-1974), Geisel (1974-1979 e Figueiredo (1979-1985).

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Há 58 anos se instaurava à força o que é considerado o período mais repressivo do último século no Brasil. Traumático para o país em geral, e muitas pessoas em particular, o Golpe Militar de 1964 está vivo na memória e na pele de quem viveu os horrores da ditadura que durou 21 anos.

Natural de Brotas de Macaúba, na Chapada Diamantina, Olderico Campos Barreto, 74, assistiu ao extermínio de dois dos seus irmãos e sentiu no corpo, ao lado do seu pai, a tortura física e o sofrimento da prisão.

Trabalhando como metalúrgico, José Campos Barreto (irmão de Olderico) participou de uma das primeiras grandes greves de resistência ao regime, em 1968, quando morava em São Paulo. Durante o ato, foi capturado e preso por 98 dias.

idade natal na Bahia, com a condição de comparecer mensalmente à delegacia para "bater ponto". Quando o regime recrudesceu e passou a eliminar opositores, Zequinha (como era conhecido) deixou de ir ao posto policial, em protesto. Imediatamente passou a integrar a lista de procurados pela polícia.

Quando o acharam, em 7 de setembro de 1971, foi assassinado aos 25 anos. A ação fez parte da Operação Pajussara, que tinha como objetivo essencial capturar opositores que partiram para a luta armada. Olderico e o pai, José de Araújo Barreto, foram torturados. "Foi ele quem mais sofreu", lembra.

A relação entre pai e filho também marca a história de Carlos Augusto Marighella, 73, durante a Ditadura Militar no país. Ele é filho do ex-deputado federal comunista Carlos Marighella (1911-1969), morto em uma emboscada montada pelo delegado Sérgio Fleury, em São Paulo.

Inspirado pela Revolução Cubana, Margihella pai ingressou na luta armada e fundou o grupo revolucionário ALN (Ação Libertadora Nacional) para combater o governo de Castelo Branco.

Passou a ser considerado, então, o inimigo número 1 do regime. "Muitos jovens que levantaram a tese da luta armada, como meu pai, foram assassinados. Mas isso não me impediu de também protestar. Fui preso durante dois anos, em 1975. Eu sabia que, como era filho de Marighella, isso tinha um peso a mais".

Marighella filho revela que o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do exército e chefe do DOI-CODI, foi o comandante da operação que o prendeu em Salvador. O mesmo Brilhante Ustra torturou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) – fato enaltecido pelo então deputado federal Jair Bolsonaro durante votação do processo de admissibilidade do impeachment, na Câmara Federal, em 2016.

Negação da história

O Golpe de 1964 sustentou um governo que durou até 1985, com cinco presidentes militares sucessivos: Castelo Branco (1964-67), Costa e Silva (1967-1969), Médici (1969-1974), Geisel (1974-1979 e Figueiredo (1979-1985).

A Constituição de 1946 foi substituída por uma nova, de 1967. E os Atos Institucionais (17, ao todo) dissolveram o Congresso Nacional e suprimiram liberdades individuais, como o direito ao voto, a liberdade de expressão (instituindo censura prévia), cassando políticos e torturando opositores.

Hoje há uma narrativa que tenta recolocar o Golpe como uma "revolução", aos mesmos moldes do que foi pregado pelos militares quando assumiram o poder.

"É um jogo de palavras para negar que houve o golpe", explica Demian Bezerra de Melo, professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF). "Foi a derrubada de um governo legítimo se utilizando de um subterfúgio falso: de que João Goulart [o então presidente do Brasil] havia abandonado o país. É uma manobra política com participação do próprio aparelho do Estado", completa.

"Revolução é a forma como os golpistas sempre trataram o golpe e os militares permaneceram chamando assim. E hoje há militares ocupando o governo do Brasil. Além do ex-capitão expulso por insubordinação [o presidente Jair Bolsonaro], há cerca de 8 mil militares ocupando postos de alto escalão", observa o professor e doutor em História Carlos Zacarias, da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Este chamado revisionismo histórico revela uma "crise da democracia", avalia Melo, e a preocupação é de que isso gere um fatídico retrocesso no país.

"Essa disputa do passado tem impli2 3 4 cações no presente. Essa operação revisionista quer tornar normais procedimentos de estado de exceção", explica.

Segundo Zacarias, não é possível considerar ainda a existência de um risco de que esta pretensão seja concretizada, graças à resistência da população, atualmente mais instruída sobre o tema. Mas, caso o bolsonarismo persista, acredita o professor, há chances de que o negacionismo avance sobre setores da sociedade.

"Felizmente conseguimos conter a ameaça [de um novo golpe] como defensores da democracia, mas não sabemos até quando, diante da possibilidade do governo se perpetuar. Se ele conseguir ganhar [nas eleições de 2022], vai ter mais chance de fazer o que tentou fazer no primeiro mandato, instituindo essa narrativa negacionista", alerta.

Integrante da Comissão da Nacional da Verdade, Demian Melo propõe que sejam produzidas obras acessíveis ao grande público, como filmes, para divulgar as informações do relatório final, que detalha uma série de crimes e violações contra os Direitos Humanos cometidos durante os anos de chumbo. "É um documento de 4 mil páginas que ninguém vai ler. Nesse sentido, o trabalho pedagógico dos governos passados ficou aquém das necessidades históricas", considera.

Enquanto o assunto não se torna de domínio público, permanece vivo na memória privada de quem sofreu. Quando tinham apenas 24 anos, a irmã e o cunhado de Diva Santana, sumiram durante a Guerrilha do Araguiaia, em 1974. Dinaeusa Santana Coqueiro, conhecida como Maria Diná, e Vandick Reidner Pereira Coqueiro são até hoje tratados como desaparecidos políticos. "Eles foram executados no sul do Pará. Antes, foram presos e torturados", lamenta Diva, líder do grupo "Tortura Nunca Mais", em Salvador.

"A única pessoa que na Justiça foi decretada como torturadora foi Brilhante Ustra. Mas são vários assassinos. Também são muitos os familiares que buscam seus parentes desaparecidos. É um sentimento que carregarei a vida inteira", completa.

A Ditadura Militar foi responsável por 191 assassinatos e 243 desaparecimentos, segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014. Estima-se ainda 20 mil pessoas torturadas.


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